terça-feira, 28 de setembro de 2010

memória de elefante


O telefone tocou na madrugada. Ela levantou apressada imaginando que podiam ser noticias do marido. Não eram. O policial teve que insistir muito pra que ela fosse até a delegacia.

Quando chegou lá estava o pasteleiro. Algemado, bêbado, aos prantos. Ela não deu queixa. O levou pra casa, lhe emprestou as roupas do marido, fez uma sopa quente pra ele. Abriram uma garrafa de vinho, conversaram e ele então contou do caso que havia tido com a filha dela. Os dois choraram ao lembrar-se das manias e da beleza dela.

Ele queria tanto relembrá-la que nem se importou que a própria mãe pedisse a ele que contasse como a filha era na cama. Do que ela gostava, o que ela fazia que o deixava louco, como ela gemia.

Quando ela voltou do banheiro vestindo as roupas da filha, foi dito e feito. Os dois encontraram o que estavam buscando e gozaram de todo o prazer doentio que aquilo fosse capaz de proporcionar. Havia uma nova forma de manter vivo o amor que ambos sentiam por ela. E assim eles se amaram pela primeira vez.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Em conserva




Saindo do bar tinha a certeza que de a galinha só enche o papo de gole em gole. Grão em grão é a forma como um escorpião vê um deserto. Com as pernas desajustadas tropeçou invertendo as noções de tempo e espaço, passando de cima para baixo e dentro de um turbilhão.

Viu um sapo grande logo à sua frente. Era grande. Era enorme. Lembrou-se das histórias que o pai contava sobre sapos gigantes em determinadas regiões. Calculou estar longe de casa, pelo que dizia o pai. Lembrou-se da professora de português com a cara oleosa e cheia de verrugas. Lembrou-se das críticas que levava por não querer ser da parte da turma do fundo da sala. No raso daquele barro, um sapo o fez viajar no tempo.

Os olhos cheios de areia, a cara poeirenta e o semblante do cansaço. Os pés e os braços fincaram no chão e o peso do corpo dobrou naquele momento. Teve vontade de chorar, mas dormiu antes. A tristeza era um sonífero, misturada ao álcool tornava-se infalível. É assim para muitos. Ele nunca foi exceção de regras.

Quando o sereno lambeu a cara, sentiu seu corpo rodar. Flutuar. Era sensação que tinha quando criança. A mãe o rodava segurando pelos braços. Até que um dia ele escapou das mãos da mãe. Até que um dia, escapou das mãos da mulher. Até que um dia e não se sabe como desapareceu e encontrou o futuro nos olhos de um sapo.

Acordou em uma cama próxima a um brejo, no meio de uma mata fechada.