terça-feira, 26 de outubro de 2010

O céu na terra


Caiu na cama. Quando percebeu já era noite. Lua crescente. Pensou na vida e lembrou do braço. Tocou as pequenas queimaduras. Percebeu o formato. Quatro pontos, três de um lado e um de outro. Não doíam, mas estavam ali. Ele não lembrava de nada depois do sapo. Ouviu o coachar de muitos. Cada vez mais iam aumentando a quantidade. Era um brejo ainda, apesar do escuro. Era uma música apesar do tempo.

Tocou os braços e estava gelado. Percebeu no chão o brilho das peles que refletiam com exatidão a luz da lua. Percebeu a lua na água. O céu estava ali. O paraíso afinal não era um campo com névoas. Lembrou da vez que o pai contou que São Pedro não deixava qualquer um entrar no céu. Cachorros, por exemplo. Ali ele tinha certeza que os sapos podiam entrar. Estava no céu. Sentiu vontade de contar para o pai.

Estava com fome, mas sem apetite. Queria saber onde estava, mas não queria sair dali. Era bom. Era o local que havia no mundo para viver. Cada palmo daquele lugar era um mistério. Os pés, agora mais firmes, respondiam ao choque com o chão molhado e gelado. Era bom, afinal, era o céu.

Três passos. O velho apareceu na sua cabeça. Dessa vez soltava fumaça pelos olhos, boca, nariz e ouvido. Queimava por dentro? Uma folha cheia de sereno bateu na sua cara e o velho partiu. Um cheiro, no entanto, havia ficado. Era parecido com um incenso. Doce e enjoativo. Mesmo sem saber de onde vinha, sabia que aquele cheiro era um sinal. Ouviu um grito. Era alto e enjoativo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

pedras


Todo amanhecer era vago. O sol de cada dia, mais uma xícara de café. Não dava pra perder os velhos hábitos. No fundo ela já começava a esquecer e sem nem perceber morria. O filho não parava em casa, ela por sua vez já quase não saia. Feira, supermercado, pagar algumas contas e olhe lá. Já não valia a pena ver de novo nada que não fosse a sua televisão durante a tarde.

Rezava, chorava e dormia. Pedia perdão pelo que havia feito ao filho, amaldiçoava o antigo marido e se deitava no quarto frio e pequeno. Ela nem sequer se incomodava mais com os gemidos que vinham do quarto do filho quando enfim ele resolvia aparecer. Nem sequer se incomodava mais de acordar de madrugada ouvindo ele e a namorada discutindo ou simplesmente se consumindo na escada ou no banheiro. Ela nem sequer se incomodava com o cheiro daquele cigarro estranho que os dois gostavam de fumar ou com as muitas bebidas que tomavam fosse lá o dia que fosse.

Assim que eles saiam ela arrumava toda a casa de novo. Limpava os cinzeiros, catava as roupas que eles deixavam espalhadas pela casa, jogava fora as camisinhas e garrafas que surgiam em todo e qualquer lugar. Preparava o almoço e comia sozinha ouvindo o rádio. Não havia fuga, não havia forças. Lentamente ela abraçava o seu silêncio.

domingo, 10 de outubro de 2010

A verdade de pele verde


Ele não entendeu o que estava acontecendo. De fato era parecido com uma cama. Cabia o corpo. Formato anatômico e ergonomia perfeita para suportar o peso do mundo. Milímetros de mato amassado. Gosto de fel.

Uma leveza na cabeça sugeriram uma inspiração mais demorada que a expiração. Era bom estar, era bom ser e só. A satisfação naquele momento era ininteligível. O prazer apagava o desconforto do desconhecido.

Havia uma história sobre os índios que não conseguiam enxergar os navios dos brancos porque aquilo era algo que eles não tinham registrado na mente. Ele, ao contrário, conhecia tudo. Mesmo nunca tendo visto nada igual. Ele estava em casa. A felicidade era tanta que, de repente, quis gritar. Não conseguiu. Quando levantou uma tontura o jogou de volta ao chão.

Tudo flutuava dentro do limite exato da visão. Todo o resto era o invisível que não existia e se ausentava nas preocupações. Lembrou do sapo. Vômito no pé da cama. Marcas no braço, queimaduras pequenas. Tentou levantar novamente. Tontura.

Nada após o sapo. Nada do que lembrasse superaria aquele êxtase. Quem precisava de certezas com aquela felicidade. Debaixo da pele existe muito mais do que a carne pode mostrar. A imagem de um velho passou pela sua cabeça. Tentou levantar. O velho voltou à cabeça.