sábado, 17 de julho de 2010

Dispensa do cargo




Batia no concreto como uma moto desacelerada e velha. Os efeitos não surgiam. Apenas em suas pequenas mãos que sentiam o sangue correr. Grafitando a parede da sala de casa com um misto de terror e vivacidade, o sangue corria frio na parede. Sua fixação traduzia raiva, medo e ódio. Arte. A confirmação da cegonha infernal veio através de um SMS: sintoma dos novos tempos.

A mãe nunca desejou o destino da filha daquela forma, perdida, grávida, sem saber de quem. Isso era tudo o que ela não desejava definitivamente. O seu destino sim, ela conseguiu premeditar: uma certa ocasião, um certo rapaz de família, sem apelo sexual, por mais que fosse um tarado. Escolhas.

Quando o celular tocou a mãe com sua premonição, ouvia simplesmente as trombetas do juízo final. A moça optou pelo celular da mãe, não queria falar com o pai. Com os anos a genitora alimentou o cão dentro da moça que apenas evitava a grande escroto natal.

Na primeira frase a mãe delirava sobre a sua própria vida. Afinal, ela pensava tanto, por que justamente a inteligência a menina tinha que herdar do pai. “Uma puta!” ela pensou xingar, mas foi interrompida pela voz de choro misturada com álcool.

A avó tentou colocar as coisas nos eixos e como um exú fazer a comunicação da filha com alguma divindade...em vão. Ela estava entregue ao último pesadelo. Remédios, conhaque, nada de amor, nada de vida, nada de perdão. Espasmos...talvez o último delírio de uma pessoa sufocada. O sufoco da saliva poderia ser menos nocivo que o das ideias.

Mas...como a adolescente havia crescido, não pedia mais nada para os pais, apenas avisava. E avisou.

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