quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Serventia dos dentes



Desde que decidiu cruzar o passeio sabia que não ia voltar. Dentro do carro o calor só não era mais insuportável que a música do rádio. Nunca gostou rádio, nunca escolheu uma música favorita. Quando decidia (na remota fase juvenil) dançar o baile estava no final ou o álcool já havia subido, o que poderia e acontecia simultaneamente.

O passo foi dado na pista de dança, dessa vez, com consciência e com o gosto do famoso “esquenta” para a festa real. O que havia acontecido até ali ia se apagando aos poucos na fraca memória, cabeça de baixa qualidade. A gorjeta da vida ia ser o seu capital inicial. O objetivo era dar o troco em si mesmo.

Depois de sentir os olhos cheios de areia parou para tomar uma cerveja em um bar que de longe parecia uma cena bíblica. Vacas e cavalos no balcão. Um marceneiro e sua mulher em uma mesa discutindo a paternidade do bebê. Cena perfeita para o início, o seu natal.

Um brinde solitário para comemorar a sua sarjeta. O gosto amargo daquela vitória sobre uma culpa inexistente, um fracasso aos olhos dos menos atentos. Cada gole uma batalha dentro de si ia sendo vencida. Guerras, sangue e cerveja.

Na real, apagar o rastro era o que pretendia. Era isso que o diferenciava de tantos outros animais em extinção. Apesar de ser um exemplar socialmente único, era parte de um todo. Um inteiro que engoliu sua vida durante vários finais de tarde, durante todos os jantares de simpatias e perdigotos. Estava aprendendo a rir e morder ao mesmo tempo. Não fechou a conta. Seguiu a sua própria estrela cadente sem reis...

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